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25 de abril de 2024
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A verdadeira ferrovia Transnordestina que Dilma Roussef não conheceu no Piauí

Na região de divisa entre o Piauí e Pernambuco, bem no meio do Sertão nordestino, converge uma grande obra. Esse empreendimento é anunciado como o mais caro e um dos mais importantes da história piauiense. Promete varar por mais de 400 quilômetros a região árida, paupérrima e historicamente esquecida do Sertão para chegar até a economicamente próspera área dos Cerrados piauienses. Essa obra é chamada Transnordestina. Promete também revolucionar a economia de parte do Piauí. Vai transportar, via trilhos, as riquezas agrícolas e minerais de parte do estado até os portos de Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará.

Transnordestina: muito o que se fazer para ligar os Cerrados do Piauí ao Oceano Atlântico, via Sertão

A magnitude da Transnordestina chamou atenção do staff do Governo Dilma Roussef, que está em conturbados espirais para resolver a atual crise econômica, indo até onde o povo está. Ineditamente um ocupante do cargo de chefia do Brasil esteve na região da divisa Piauí-Pernambuco para algum ato político.

Precisava-se prestar contas ao povo o que a presidente e seu Governo estão fazendo pelo desenvolvimento do Brasil. Nada melhor que conhecerem o empreendimento, que hoje é bancado via PPP (Parceria Público Privado) e é um das molas mestras do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento.

Trecho pronto da ferrovia no Piauí. Menos de 5% dos mais de 400 quilômetros de trilhos

Dilma e dezenas de assessores, acompanhados de centenas de políticos e alguns populares, estiveram na sexta (11 de setembro) no povoado Serra Vermelha (a 62 quilômetros de Paulistana – e quase 600 de Teresina – e menos de 30 da divisa PI – PE) para conhecerem o trecho já pronto da Transnordestina em território piauiense.

A obra, como foi fartamente noticiado, realmente é grandiosa. No calor do meio dia (que passa fácil os 40ºC à sombra) a comitiva presidencial andou de locomotiva e viu como funciona o moderno sistema de instalação de dormentes e trilhos. Tudo transmitido ao vivo para todo o Brasil. Apregoa-se que o inovador sistema consegue instalar um quilômetro de trilhos por dia.

Leito da transnordestina. Lugar em que passará os trilhos

Ali são os 25 primeiros quilômetros da Transnordestina. O que a presidente Dilma, que promete inaugurar a obra no próximo ano, não viu foi que há muito o que se concluir. O que foi mostrado a ela é apenas o início das obras no estado. Ao menos outros 95% da ferrovia ainda faltam ser concluídos no Piauí para poder levar as primeiras cargas do território piauiense para o Mundo.

Vídeo do trecho da ferrovia Transnordestina já pronto no Piauí: 

A reportagem de O Olho há quatro meses percorre o trecho em obras da Transnordestina no Piauí. Vem acompanhando o que o empreendimento tem trazido de positivo e também suas polêmicas. Na reportagem de hoje (segunda de uma série de três) mostra-se o que a presidente não viu e convida todo o staff presidencial a ver que o trem que Dilma Roussef andou não percorre mais que 3% da obra no estado. Para a Transnordestina finalmente funcionar a pleno vapor no Piauí ainda falta muito o que se fazer.

ANTES DE PASSAR UM TREM PELO CAMINHO: HÁ MUITA OBRA A SER FEITA. AO MENOS EM METADE DA FERROVIA NO PIAUÍ AINDA NÃO FOI FEITO QUASE NADA

Trecho, na cidade de Paulistana, ainda sem receber muitas melhorias para passar a ferrovia

A construção da Transnordestina no Piauí é dividida em vários lotes. Cada um tem, em média, 50 quilômetros de extensão. Alguns estão com cronograma em dia. Outros sofrem atrasos de anos. O principal problema para provar que dificilmente a ferrovia será inaugurada em 2016, apesar das promessas e do anúncio da presidente Dilma Roussef, é que em muitos lugares há sérios conflitos com desapropriações de terras. Muitos dos moradores com problemas de terras desapropriadas estiveram protestando e queriam falar com a presidente. Mas foram impedidos pela segurança e não viram nada de Dilma.

Os trechos problemáticos mais graves estão nas cidades de Paulistana e São Francisco de Assis do Piauí como vem registrando O Olho há mais de três meses.

Nesse trecho: somente morro foi cortado. Acessos continua em construção

Entre os lotes há a abertura de grandes clareiras cortando morros e necessitando de quase 40 pontes (quatro delas com estrutura monumental) para passar sobre rios, córregos e vales.

Um trem não pode fazer curvas fechadas e nem subir e descer ladeiras. Por isso em vários trechos da obra há uma impressionante movimentação de máquinas para aplanar o terreno. Em alguns há escavações de 20 metros de altura (equivalente a um prédio de quase sete andares).

Vídeo do vai e vem de caminhões trabalhando na obra:

Somente no trecho de aproximadamente 25 quilômetros que corta área do município de Curral Novo do Piauí é que a ferrovia está completamente pronta. Inclusive foi nesse trecho que é possível a passagem de uma locomotiva. Foi essa composição em que a presidente Dilma foi fotografada. O trem percorre o trecho para deixar materiais para a instalação de dormentes e trilhos nos trechos em que é possível instala-los.

Maquinário pesado trabalhando em trecho que demorará vários meses para ser concluído

No maior de todos os trechos, na cidade de Paulistana (quase cem quilômetros de extensão), há mistos de pontos já prontos para a instalação dos trilhos (aproximadamente 20%), há outros trechos em que a estrada para servir de ramal está em fase avançada (aproximadamente 30%) e ainda há outros completamente ainda a serem realizados os trabalhos iniciais (aproximadamente metade).

A presidente Dilma e sua comitiva não passaram nem perto dessas áreas a serem construídas. Mostraram à presidente apenas a belezura da área com tudo pronto.

Em outro ponto o leito da ferrovia está concluído. Faltam apenas os dormentes e os trilhos

A construção da Transnordestina no Piauí iniciou em 2011. Paralisou várias vezes por causa de falta de recursos, problemas no cronograma e muitas paralisações dos empregados. Desde o início deste ano, já no segundo Governo Dilma, voltou a funcionar em vento em frente de trem-bala.

MAIOR PONTE DO PIAUÍ SERÁ DA TRANSNORDESTINA. LOCAL OCORREU TRAGÉDIA

A maior ponte do Piauí será no município de Paulistana. Está quase pronta. Ela terá uma extensão de quase quatro quilômetros e passará sobre o vale do Rio Canindé (aproximadamente 40 quilômetros da sede). Ela foi necessária para manter o nível de altura da ferrovia. É uma obra de deixar qualquer leigo em engenharia babando por minutos.

Maior ponte do Piauí. Servirá para ligar a ferrovia de uma ponta a outra sobre o Vale do rio Canindé

Em dezembro de 2011 a ponte foi palco de uma tragédia. Dois operários morreram e outros dez ficaram feridos após um acidente de trabalho durante a concretagem da obra.

Depois do acidente optou-se por utilizar vigas de aço em vez de concreto armado na ponte. Uma curiosidade é que as duas vigas de concreto continuam no lugar e o restante é de aço, tudo muito visível a olho nu por quem passa na região.

Ponte corta o Sertão

Como as margens da Transnordestina recebem grande fluxo de caminhões e máquinas pesadas as construtoras responsáveis pela obra abriram pistas laterais, à esquerda e à direita do que é, ou será, o leito da ferrovia. Tudo é bem conservado para não quebrar os veículos pesados. Mesmo assim encontra-se muito maquinário quebrado nessas estradas.

As mesmas vias também são utilizadas pelos moradores da região. Quando a obra estiver pronta toda a ferrovia será cercada e esses acessos fechados, podendo transitar no leito da ferrovia apenas veículos autorizados. Atualmente no espaço que é para passar trilhos passa-se carros e motos.

Enquanto não está pronta a ferrovia serve como estrada para trânsito de moradores da região

Aos finais de semana as máquinas e caminhões são deixados em trechos da própria ferrovia. São guarnecidos por vigilantes de empresas terceirizadas.

Esse trecho Dilma também passou foi longe.

FERROVIA NA PORTA DE CASA E AÇUDE DESTRUÍDO

Vários trechos da Transnordestina passam, literalmente, por cima ou bem próximos de residências. Desde o início das obras houveram negociações com moradores para desapropriações. Muitos aceitaram os valores determinados e outros estão na Justiça por acharem o que foi pago ser muito pouco.

Casa desapropriada e destruída para dar lugar a ferrovia. Só sobrou a cisterna

Em um trecho na zona rural de Paulistana as obras não andaram porque judicialmente só podem continuar quando houver indenização de todos os moradores. Há uma placa informando isso. A mesma foi derrubada.

Máquinas a postos para fazerem buracos de denotação para dar lugar a leito da ferrovia

Nessa região, aproximadamente a 60 quilômetros da sede da cidade, só existe o riscado da ferrovia. Em um deles há uma casa no meio do caminho da ferrovia. Já não mora mais ninguém, pois o vai e vem de máquinas na região e as últimas explosões para dinamitar morros têm assustado os moradores. O local está cheio de mato.

Casa no meio do caminho. Ferrovia é para passar por cima. Questão está na Justiça

O comerciante Abimário José de Sousa, 36 anos, mais conhecido por Maroto, morador do povoado Lagoa Velha, aguarda até o próximo mês uma casa nova. A ferrovia passará ao lado de sua atual residência, comércio e clube dançante. “O juiz deu a ordem. Disseram que vão construir uma casa para mim no bairro Mutirão. Só podem mexer em alguma coisa aqui quando fizerem isso”, relatou, observando a cerca da ferrovia. “Na cidade levarei o bar e as festas”, emendou.

Abimário: ferrovia na porta de casa. Prometeram nova residência para ele até outubro

Em alguns outros trechos as residências já foram destruídas para dar lugar aos trilhos e em outros há casas bem conservadas, como é o caso das que ficam nas proximidades das duas maiores pontes da ferrovia, ambas em Paulistana.

Açude destruído na comunidade Serra Vermelha, em Paulistana

No povoado Serra Vermelha, lugar em que Dilma Roussef visitou, a ferrovia passou por cima do único açude da comunidade. Depois de vários protestos a construtora responsável fez um outro açude, mas, como não chove na região o ano todo, gerou sério problema de falta de água naquela parte do Sertão.

Vídeo de casa destruída para dar lugar a Transnordestina:

EXPLOSÕES ASSUSTAM MORADORES

“Eu pensei que o mundo ia se acabar”, relatou a aposentada Pedrina Ana de Sousa, 80 anos, sobre as explosões na região. Ela reside com uma filha, o esposo Antônio de Sousa, 90 anos, e o cunhado Marcelino Antônio de Sousa, 84 anos, que é mudo.

Família Sousa: explosões quase matam idosos do coração

A casa deles fica a 300 metros do traçado da rodovia. Pedrina Sousa reclama que quando a ferrovia estiver concluída não poderão passar para suas terras, já que a obra cortará no meio.

Construtora avisa que ocorrem denotações. Mas apenas em pequenas placas

Mas as principais reclamações da família Sousa é sobre as constantes explosões feitas para dinamitar rochas. “Não avisam. Quase matam a gente do coração. Fui bater no hospital”, relatou.

O caso de dona Pedrina Sousa revoltou os moradores da região. Os mesmos protestaram e agora todas as vezes que há explosões um carro da construtora vem pegar todos os idosos e doentes da região e os leva para casa de parentes, longe dos sustos causados pelos tremores de terra. Também foram diminuídas as quantidades de explosivos.

A família Sousa é apenas uma entre as tantas do Sertão que terão a vida diretamente afetada pela ferrovia, pois, com terrenos cortados não poderão passar de um lado para o outro. Apenas trechos de até oito quilômetros um para o outro permitirão as passagens, já que toda a ferrovia é cercada, para impedir passagens de animais e pessoas evitando acidentes com o trem.

Isso também Dilma Roussef não viu.

Vídeo de idosos contando sobre o dia em que ocorreram explosões na Transnordestina na cidade de Paulistana: 

* Com informações do Jornalista e professor universitário. Atua em O Olho via Projeto de Pesquisa de Etnografia das Redações tentando entender o modo de fazer jornalismo no Piauí.

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