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29 de março de 2024
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Enfermeira: “nós que tocamos, quando ninguém mais quer”

Foto: Arquivo pessoal

A rotina de cuidados no ambiente de trabalho da enfermeira intensivista Zuila Brito de Araújo, não mudou com a pandemia do novo coronavírus, só ganhou uma atenção redobrada e uma maior frequência. Mas, o que ela percebeu nestes dias em que a crise sanitária tomou de conta do mundo, foi uma valorização da sociedade em relação aos profissionais da enfermagem e ao mesmo tempo, uma tensão e ansiedade no ambiente de trabalho com o vírus que ainda é desconhecido.

Zuila é enfermeira há 13 anos e trabalha na Unidade de Terapia Intensiva neonatal da Maternidade Dona Evangelina Rosa e em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município de Teresina.

Ela conta, emocionada, que gostou da visibilidade que os profissionais da enfermagem ganharam neste período, porque muitas vezes, eles ficam “invisíveis” e na verdade são os que mais possuem contato com os pacientes em qualquer doença, que cuidam e tocam por mais tempo durante uma internação, mesmo agora, com a Covid-19, quando nem familiares podem e ou querem tocar no infectado.

“Vejo que nós ganhamos visibilidade, principalmente a enfermagem, porque vejo que a gente sempre agradece muito ao médico, ao dentista, quando termina um tratamento; ao fisioterapeuta, que lhe ajuda na sua reabilitação, mas muitas vezes o paciente não visualiza quem estava todo tempo ao lado dele, quem fez cada uma das medicações, quem mudou o decúbito dele, quem cuidou dele todos os momentos, durante algum tipo de internação, em qualquer tipo de doença que ele foi acometido. Esse momento tem nos dado essa visibilidade, porque enquanto todos estão correndo, ficando distante no mínimo dois metros das pessoas doentes, nós temos que criar coragem, nos paramentar, vencer todos os nossos medos, todos os nossos pânicos, e somos nós quem tocamos nos pacientes que ninguém mais quer tocar, quando nem mesmo a família pode tocar e somos nós que vamos lá e tocamos”, destaca.

A maternidade em que ela trabalha é referência para gestantes com Covid, no entanto, no setor de Zuila, que é o neonatal, apesar de estar preparado e ter tido os leitos separados para receber pacientes, não foi preciso. Mas, nem por isso, a tensão e a ansiedade deixam de tomar de conta da equipe, que a todo momento sofre quando há diagnóstico de novos casos.

“O que me chama atenção é a tensão, a ansiedade, que nós profissionais temos vivido, porque nós temos presenciado não só os pacientes testando positivo, mas principalmente os profissionais, então a gente vive naquela ansiedade, se seu colega, de repente, não é um assintomático e então a gente passa o tempo inteiro com medo de tocar no outro, com medo do outro estar doente e você não saber, de você está doente e está passando para alguém sem saber… essa incerteza que a gente tem vivido, tem gerado uma tensão no nosso ambiente de trabalho, que nós não tínhamos antes”, ressalta a enfermeira que acrescenta, que mesmo sendo um ambiente fechado, as pessoas sempre são muito amigas, sorridentes e se abraçavam muito, mas que agora os momentos são mais estressantes pelo medo do desconhecido.

Foto: Roberta Aline

 Pai com Covid-19 

O aniversário da enfermeira Zuila Brito de Araújo este ano foi diferente. Ela que sempre passou ao lado do pai, o lanterneiro Antônio Hermes de Araújo, de 63 anos, teve que se contentar com uma vídeochamada, já que ele, um dia antes, foi diagnosticado com Covid-19. A profissional da saúde, que sabe bem como a doença tem afetado a vida dos pacientes, teve sua vida pessoal invadida pela Covid que também infectou outros familiares. Zuila não mora com os pais, mas fez o exame e testou negativo.

Foto: Arquivo pessoal

Família de Zuila reunida no aniversário dela no ano passado

Além do pai, mais quatro pessoas da família da enfermeira deram positivo, mas estão bem, com sintomas leves e cumprindo o isolamento em suas casas.

“A minha família temos casos positivos, meu paizinho está internado em uma UTI com a Covid-19, ele ficou entre a vida e a morte. Desde o dia que ele foi internado, que nós não tivemos oportunidade de vê-lo, apenas por vídeochamada. Só temos notícias dele através dos médicos. Depois que ele foi testado e que mais pessoas da família precisaram fazer o teste e mais quatro foram positivos. Foi um impacto muito grande na nossa família”.

Zuila disse que a fé em Deus e as orações têm ajudado muito a crerem na cura de todos.

“Somos uma família de muita fé, acreditamos em um Deus poderoso, num Deus que cura, que faz milagre e desde o dia da internação do meu pai iniciou uma corrente de oração em várias igrejas da cidade. Todos os dias muitas pessoas têm mandado mensagens para mim e é isso que tem me fortalecido, ter essa fé, tem me fortalecido, a ficar nessa linha de frente, a estar cuidando da minha família, prestando todos os cuidados toda a assistência, e ainda tendo que trabalhar a gente precisa gerenciar, administrar muita coisa. Mas a fé que nós temos no Deus poderoso que nós servimos, tem nos feito acreditar que vai dar certo que vamos todos ficar bem”, afirma.

O estado de saúde do pai da enfermeira ainda inspira cuidados e ela detalha essa situação para rebater as críticas de que é “só uma gripezinha”.

“Meu pai ficou entre a vida e a morte. Ele que era um homem tão ativo, tão cheio de saúde, precisou ser internado, passou 18 dias entubado, ainda hoje internado, todos esses dias e nós não podemos sequer vê-lo não é uma gripezinha, essa doença é devastadora, ela atinge vários órgãos vitais. Meu pai ficou a um passo de ter que fazer diálise, pulmão completamente comprometido, e só tem 63 anos, hipertenso, mas uma hipertensão controlada. Não é só uma gripezinha, as pessoas precisam se conscientizar, todos os dias vemos pessoas morrendo, os hospitais abarrotados, o sistema entrando em colapso. Nossa cidade ainda tem o privilégio de contar com leitos, e ainda não estamos com muito mortos, mas precisamos nos cuidar para não chegarmos a essa situação”.

Valorização profissional 

Ela lamenta que essa mesma valorização não seja realizada pelos gestores e empresários da saúde, já que, para terem uma vida financeira mais equilibrada, os profissionais precisam trabalhar em vários locais.

“Infelizmente  nós não temos sido valorizados pelos nossos gestores, pelos patrões, quem trabalha na rede privada, porque muitas vezes precisamos trabalhar em dois três lugares tirar plantões extras, ir até o nosso limite físico para conseguir ter um salário digno, para conseguir viver com dignidade, enquanto que, se nós tivéssemos um vencimento mais adequado, fóssemos mais valorizado financeiramente, com certeza a realidade da enfermagem seria outra. E quem sabe nós não teríamos tantas pessoas da enfermagem morrendo hoje por conta da Covid, morreram porque adquiriram doenças crônicas, porque ficaram doentes de tanto trabalhar e não conseguiram cuidar de si”, desabafa a enfermeira. 

Foto: Roberta Aline

Por Caroline Oliveira / CidadeVerde

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