A invasão de espaços e limites entre os homens e os animais silvestres ganhou destaque nas últimas semanas na cidade de Picos depois que mais de uma dezena de animais foram capturados pelo Corpo de Bombeiros dentro ou nas proximidades de residências habitadas. Entre as espécies estão cobras, jacarés e até uma raposa.
Os dados da corporação mostram que em apenas quinze dias foram capturadas cinco jiboias e dois jacarés, ambos de médio porte, na zona urbana do município.
O levantamento mostra um crescimento de 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Um número que reflete o impacto da expansão urbana que acontece na região a partir do desenvolvimento imobiliário com a consequente perda dos ambientes que serviam de abrigo e garantiam a alimentação das espécies nativas.
“Não diria que eles estão invadindo nossas casas, mas nós é que estamos tirando o ambiente natural deles”, explica a comandante do Corpo de Bombeiros, capitã Ana Cleia Diniz. O órgão registrou até a publicação da reportagem a captura de 14 animais fora de seus habitats naturais.
Susto
Um destes resgates aconteceu na residência da assistente social Socorro Rego, no bairro Jardim Natal. Ela se preparava para sair de casa quando avistou na garagem uma cobra escondida entre as plantas do jardim. “A primeira reação foi sair do local e trancar todos em casa, depois ligamos imediatamente para o Corpo de Bombeiros. É bem assustador”, diz ela.
O pedido de ajuda a profissionais capacitados para lidar com a situação é a atitude mais correta em casos desse tipo. O motivo é simples: agredir ou estressar o animal pode provocar um acidente de proporções sérias. “Achamos que tínhamos que matar a cobra, porque cobra é um bicho assustador, mas eles [bombeiros] nos explicaram que não podíamos”, conta Socorro.
A espécie encontrada na casa da assistente social era uma jiboia (Boa constrictor), serpente de grande porte que pode atingir até quatro metros de comprimento e mata suas presas por constrição, estrangulando a vítima e causando a morte por sufocamento. A espécie pode alcançar 40 quilos de peso e costuma engolir sua presa pela cabeça.
Para evitar a morte desnecessária, todos os animais resgatados pelo Corpo de Bombeiros são devolvidos à natureza em locais seguros e distantes da presença humana.
Desequilíbrio
Para esclarecer o aumento dos episódios envolvendo animais silvestres na zona urbana, a professora doutora Mariluce Fonseca, especialista na área de répteis e anfíbios da Universidade Federal do Piauí (UFPI), explica que sapos, rãs e pererecas, que também passaram a habitar com mais frequência às residências picoenses, buscam na maioria das vezes a umidade que não encontram mais na natureza. Já os répteis, como as serpentes, em alguns casos adentram as residências quando encontram alterações na temperatura do ambiente e no campo alimentar de seus territórios.
O motivo da busca por novos espaços, segundo Fonseca, é também resultado do desequilíbrio provocado na natureza pelo homem a partir de elementos como construções desordenadas, queimadas, desmatamentos e a poluição de rios – todos comuns à cidade. “Isso tudo faz com que ele [animal] não tenha condições de buscar o seu alimento naquele ambiente que foi modificado e até mesmo condições de sobreviver ali por vários fatores, como a reprodução, a temperatura e os alimentos”, argumenta.
Planejamento e Fiscalização
A divisão de novos lotes de terrenos no município de Picos exige o cumprimento de um protocolo criado pelo Departamento de Licenciamento Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMAM). Atualmente existem 19 processos em andamento, mas desde que o órgão foi criado, em 2013, já foram emitidas mais de 40 licenças ambientais para loteamentos. A maioria deles na área urbana do município.
Mas o avanço do homem sobre a natureza, mesmo de forma planejada, tem consequências para o ecossistema. Por isso o proprietário desse tipo de empreendimento precisa atender a alguns critérios, entre eles a realização de um estudo sobre o impacto no meio ambiente.
“É exigido do proprietário da terra que ele contrate profissionais que façam estudos de zoneamento florestal e da fauna. Nós queremos saber como será afetada a fauna desse local, porque ela vai ser afetada de alguma forma”, destaca Vilmar Santos Luz, coordenador do Departamento de Licenciamento Ambiental da SEMAM.
Nos casos em que o empreendimento já está em andamento e houve prejuízos para o meio ambiente, o responsável é punido pelo órgão. “Se a fauna já foi prejudicada de alguma forma, os fiscais identificam para que sejam geradas sanções ao empreendedor”, explica Vilmar Luz, em referência ao Programa de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) desenvolvido pela pasta.
O avanço da expansão urbana também põe em risco as nascentes e morros da cidade de Picos – estes últimos degradados para retirada de aterro para obras da construção civil. Nesse caso, os empreendimentos englobam as chamadas Áreas de Proteção Ambiental (APA), como morros ou cursos d’água.
Fonte: Maria Moura/ Grande Picos