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18 de março de 2024
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Formanda leva abacaxi para colação de grau em homenagem aos pais agricultores: ‘fruta é o sustento da família’

Formanda leva abacaxi para colação de grau em Teresina: 'fruta foi o sustento da família' — Foto: Arquivo pessoal

Emylla de Sousa sentia um frio na barriga quando, ainda criança, percorria os 240 km que separam São Domingos do Maranhão de Teresina. A promessa de que um dia ela iria estudar na capital parecia um sonho muito distante para a menina que acompanhava os pais até Teresina para vender abacaxis. E foi justamente a venda das frutas que permitiu que ela se formasse em enfermagem e fizesse uma homenagem única aos pais agricultores.

Foi com a fruta cítrica e espinhosa nas mãos que Emylla subiu ao palco para receber o diploma do curso superior em que se formou na última sexta-feira, 26 de novembro. Para ela, essa foi uma forma de lembrar as suas raízes e agradecer aos pais, Erislandia Alves de Sousa, 42 anos, e José Airton Alves Silva, 48 anos, por todo o esforço para que ela conquistasse esse sonho.

“Eu sempre soube que eu não queria terminar meu ensino médio e parar por ali, queria ir além. Mas na minha cidade, mais especificamente na minha comunidade Conduru, conhecida como a ‘terra do abacaxi’, não havia muitas possibilidades”, contou.

Os pais prometeram a ela que ela estudaria em Teresina, mas ela não sabia se esse sonho seria possível, devido às condições financeiras da família.

“Desde pequena ela sonhava em estudar e, pra nossa comunidade, de dentro da roça, era um sonho quase impossível. E foi plantando abacaxi, mesmo em pequena quantidade, começamos a vender, fomos aumentando a plantação e passamos a vender em Teresina. Ela ia com a gente, via aquele movimento todo e foi então que esse sonho ficou mais intenso ainda, de morar em Teresina e fazer uma faculdade”, lembrou a mãe.

Pais e Emylla plantam e vendem abacaxis, que custearam a estadia da jovem em Teresina para estudar — Foto: Arquivo pessoal

Pais e Emylla plantam e vendem abacaxis, que custearam a estadia da jovem em Teresina para estudar — Foto: Arquivo pessoal

Com poucos recursos e vivendo majoritariamente da venda de abacaxis, seria muito difícil manter a jovem na capital custeando todas as despesas de moradia e alimentação e pagando uma mensalidade de uma faculdade.

Escolha do curso

Já no ensino médio, depois de alguns testes vocacionais e pesquisando sobre a carreira, ela decidiu pela enfermagem. Se dedicou ainda mais aos estudos e conseguiu uma vaga pelo Fies no Centro Universitário Santo Agostinho. Em seguida, conseguiu fazer o curso pelo Prouni, com 70% da mensalidade custeada pelo programa.

“A mensalidade não foi paga integralmente com a venda do abacaxi porque tinha a bolsa, mas minhas xerox do curso e todo o resto era da venda dos abacaxis. Eu mesma vendi muito abacaxi na faculdade, pros meus colegas. Meu pai compra, planta e vende na Ceasa. Quando não tem na cidade, ele compra até no Pará pra vender. Já aconteceu de ele vir, o carro quebrar na estrada e perder toda a carga, porque é muito perecível”, lembrou.

Emylla e o irmão, que também ajuda na venda dos abacaxis — Foto: Arquivo pessoal

Emylla e o irmão, que também ajuda na venda dos abacaxis — Foto: Arquivo pessoal

Ela disse que a situação a incomodava, mas os pais tinham um objetivo para ela.

“Tudo isso me doía muito. Eu muitas vezes quis trabalhar pra ajudar, mas meus pais nunca deixaram, para eles a prioridade era o estudo”, contou.

“A gente teve que pagar kitnet, todas as despesas, juntando tudo no fim do mês era complicado, foram muitos e muitos abacaxis vendidos para a gente conseguir mantê-la”, lembrou a mãe.

A morte do avô, vítima de um câncer em 2015 sem os devidos cuidados de saúde, fortaleceu ainda mais a vontade da jovem de cumprir a verdadeira missão dos profissionais da enfermagem: cuidar.

Por vezes, ela pensou em desistir, chegou a buscar a coordenação do curso, os professores e colegas, mas sempre foi incentivada a continuar perseguindo o sonho. Nos primeiros meses do curso, ela conta que já se apaixonou pela enfermagem e o sonho ficou ainda maior com o passar do tempo.

“Eu me apaixonei profundamente e hoje sou a maior defensora da minha profissão. Comecei um estágio logo na metade do curso e depois da experiência prática, vejo que fiz a escolha certa”, disse.

Coordenadora do curso de enfermagem da faculdade onde a jovem estudou, a professora doutora Karla Joelma Bezerra, disse que a estudante sempre se destacou pela dedicação.

Formanda leva abacaxi para colação de grau em Teresina: 'fruta foi o sustento da família'  — Foto: Arquivo pessoal

Formanda leva abacaxi para colação de grau em Teresina: ‘fruta foi o sustento da família’ — Foto: Arquivo pessoal

“Ela sempre foi muito comprometida, preocupada e muito interessada e curiosa em toda a graduação. Certamente vai ter muitas oportunidades para crescer profissionalmente na enfermagem e conquistar o espaço que merece, com a dedicação que demonstrou na graduação, a Emylla tem características fundamentais para a área que ela escolheu”, declarou.

Cuidar e sarar feridas

O caminho percorrido por Emylla ao longo da vida teve muitos momentos difíceis e desafiadores. Diante deles, a jovem tem conseguido superar o que passou e transformá-los em aprendizado e inspiração.

Vítima de abuso sexual aos 9 anos, Emylla passou momentos de muito medo ao chegar a Teresina. Em uma cidade desconhecida e sozinha, ela tinha muita dificuldade de conviver e confiar em homens além de seu pai.

“CrEsci com trauma e medo de me relacionar, aí vim pra Teresina e pouco tempo depois houve o estupro coletivo em Castelo [do Piauí] e passava um filme na minha cabeça, eu sentia a dor daquelas meninas”, lembrou.

Hoje, Emylla está noiva e planeja casar-se em 2022. O namoro, que já dura quatro anos, só foi permitido pelos pais depois que ela entrou na faculdade.

Ela por muito tempo enfrentou a sombra da violência sexual e apenas com apoio do então namorado, agora noivo, dos pais e com acompanhamento psicológico, lida melhor com a lembrança do que viveu.

Com o tempo, ela não apenas tem conseguido superar o que passou, mas também buscou neste episódio a força para tentar ajudar outras garotas nessa mesma situação.

“Com muita luta estou conseguindo e hoje é uma das minhas metas, superar essa fase e ajudar outras meninas na mesma situação. Fazer enfermagem pra mim é ter esse objetivo de futuramente poder ajudar outras meninas a se curarem de abusos sexuais na infância ou adolescência”, disse.

Não por acaso, Emylla decidiu se especializar na área de estomaterapia dentro da enfermagem – que cuida do tratamento de feridas e fístulas.

“Na prática da enfermagem eu entendi o que é ser enfermeira e o quanto amo servir, poder cuidar de pessoas, ajudar a cicatrizar feridas. Meu sonho é esse, me especializar para cicatrizar a dor dos outros. Eu sei o quando dói uma ferida no corpo, na alma. Sonho em cicatrizar dores de outras meninas, em servir, em devolver o sorriso de saúde e a expectativa de vida”, declarou.

Para a mãe, os momentos de dificuldade deram espaço à enorme emoção de ver o sonho da filha se tornar realidade.

“Vê-la naquele momento, entrando na colação de grau, com um abacaxi… Passa um filme na cabeça desde ela pequena, de todas as lutas, dificuldades, a gente ficou emocionado, choramos muito, a família toda se emocionou, porque sabem da luta que foi, foi grande, mas graças a Deus ela conseguiu”, comemorou.

Formanda leva abacaxi para colação de grau em Teresina: 'fruta foi o sustento da família'  — Foto: Arquivo pessoal

Fonte: G1-PI

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