23.9 C
Jacobina do Piauí
24 de abril de 2024
Cidades em Foco
DestaqueGeralMunicípiosNordeste em FocoPaulistana

No interior de Paulistana, moradores fazem romaria para pedir aos céus instalação de energia elétrica

A comunidade de Abelha Branca (no município de Paulistana – a 460 quilômetros de Teresina) amanheceu em 1º de maio lotada de pessoas. Era o principal dia do novenário católico em homenagem ao pai de Jesus Cristo, São José Operário, padroeiro daquele povoado (localizado a 48 quilômetros da sede paulistanense).

Aproximadamente 300 pessoas lotaram a pequena igreja e seu entorno. Ela foi erguida em 2010 para homenagear o também padroeiro dos trabalhadores.

O local de celebração é cercado por vegetação tipicamente sertaneja: cactos e mandacarus (alguns deles de quatro metros de altura), árvores mais espinhosas e outras do tipo mais resistentes às intempéries da natureza.

Tudo estava muito verde (ainda reflexo de um dos invernos mais graciosos já vistos nos últimos 30 anos naquela região). Até algumas pequenas flores (azuis e róseas) brotaram nas proximidades da igreja. Era um dia bonito e o céu estava bem azul com ensaio de algumas nuvens espaças.

Os quase cem lugares destinados para as pessoas sentarem foram preenchidos uma hora antes do início da missa. O primeiro a chegar ali ajudou a abrir as portas da igreja antes das 7h. A celebração estava marcada para as 9h daquela manhã ensolarada.

O sol era a luz mais vista por quase todos os que ali estavam. E era o sol que acompanhava as quase 150 pessoas que não couberam do lado de dentro. Elas buscavam as sombras próximas. Aproximadamente outras 50, além das quase cem sentadas, ficaram dentro da igreja, mas de pé.

Do lado de fora: um ônibus, seis caminhonetes, aproximadamente 60 motos e sete bicicletas mostravam que os frequentadores daquela cerimônia vinham de várias regiões das cidades de Paulistana e São Francisco de Assis do Piauí. Esses dois municípios atualmente encabeçam a lista dos que mais padecem de exclusão e casos polêmicos de beneficiamentos do programa Luz Para Todos.

Famílias inteiras foram à celebração. Gerações se reencontraram. Muito papo entre todas e todos. O único estranho àquelas pessoas era justamente o repórter-pesquisador. Os equipamentos fotográficos e de filmagem logo chamaram atenção. Mais atenção ainda ficou quando foi revelado via microfone da igreja qual o motivo da visita do estranho: fazer uma reportagem contando a situação daquelas pessoas. Sorrisos foram a marca registrada. Suas feições estavam radiantes e exalavam muita gentileza. Alguns queriam saber o que faz um jornalista. Outros perguntavam o que era um doutor-jornalista, principalmente se esse doutor não era nem médico, advogado ou engenheiro.

Mas aquela sexta não era um dia comum no Sertão do Piauí, principalmente em Abelha Branca.

UM ANO DE CHUVAS E UM ANO DE ESPERANÇAS PARA O FIM DA ESPERA DA INSTALAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NA REGIÃO

Nas partes interna e externa da igreja (de 10 metros de frente por 12 metros de lado, construída em mutirão pela comunidade) dois assuntos tomavam conta das rodas de conversa, das rezas e dos discursos da missa em homenagem ao santo: um dos melhores anos já vivenciados na agricultura da região e a falta da instalação de energia elétrica em várias comunidades do entorno, inclusive na própria Abelha Branca.

Os dois assuntos não pautaram só a missa, mas também a romaria religiosa feita depois da celebração. Foi pedido aos céus a intervenção para que tocasse as autoridades no sentido de acatarem os apelos de mais de uma década das quase cem famílias que moram em Abelha Branca e das centenas de outras que habitam a região. Era geral a indignação de que, em pleno século XXI, continuam sem o fornecimento de energia elétrica.

Entre cactos e pequenas flores, azuis e brancas, a tranquilidade do lugar só foi rompida quando o celebrante, padre José Pio Feitosa Marinho (responsável pela Paróquia de Nossa Senhora dos Humildes, em Paulistana) convidou os presentes para uma incursão pela caatinga.Estudioso de Filosofia das Religiões e bem conectado com as redes sociais digitais, o sacerdote fez questão de lembrar a importância daquele evento religioso e, principalmente, do quanto a união coletiva pode fazer a força dos que ali estavam para a concretização dos ideais sobre o fornecimento de energia elétrica.

O sacerdote agradeceu as chuvas generosas caídas nos últimos meses, mas boa parte de seu discurso recaiu sobre os incômodos promovidos pelos poderes públicos em não proporcionar energia elétrica para as comunidades do entorno. Mas o padre, no término do discurso tentou profetizar um fato. “No próximo festejo, se Deus quiser, teremos energia elétrica na igreja e em todas as comunidades dessa região. Será um milagre de Deus e de São José”.

A ROMARIA EM SI

Foi esse sentimento que deu margem e mais esperança à população ali presente, já que todas as confianças aos homens normais estavam praticamente acabadas. Era no divino o depósito das últimas esperanças.

Começava a romaria pedindo aos céus energia elétrica. Já que em relação às solicitações aos mortais, já tinham sido mais que comprovadas que não passavam de promessas.

À frente foi carregada a pesada imagem, de quase um metro de altura e 30 quilos de peso, de São José. Homens e mulheres se revezaram no carregamento da estátua, já que a comunidade ainda não dispõe de recursos para que um andor fosse comprado.A romaria seguiu por quase um quilômetro no único trecho de estrada do entorno. Muitas rezas e muitos cânticos. Ouvia-se o bater de um violão e muitas vozes masculinas e femininas.

Passaram por sete cactos, uma aroeira, uma algaroba, sete umbuzeiros e três juazeiros. O único momento em que a romaria foi quase interrompida ocorreu no encontro com uma família de quero-queros estridentes, ameaçando todos os que estavam ali por passarem perto de seu ninho. No entorno haviam, todos soltos, vários jumentos, bodes, porcos, bois e vacas. Ao fundo, pequenas jandaias também cantarolavam e quase atrapalhavam as cantorias da romaria.

Um dos pontos também discutidos na romaria foi a Operação Lava Jato, que investiga uma série de irregularidades na Petrobrás.

O santo foi deixado na igreja, as portas continuaram abertas.

Mas praticamente ninguém arredou o pé. A missão final da romaria era a organização de abaixo-assinado e também de um cadastro, para mais uma vez, ser enviado para o Ministério das Minas e Energia cobrando a instalação de energia elétrica nas comunidades da região.

GERADOR A GASOLINA GARANTIU SOM E ILUMINAÇÃO DA MISSA E DA ROMARIA. MAS POPULAÇÃO FICOU NO CALOR PORQUE VENTILADOR SÓ FUNCIONA COM ENERGIA ELÉTRICA

Praticamente todo mundo que participou da missa e da romaria pedindo intervenção divina para contemplação do Luz Para Todos nas comunidades rurais de Paulistana e São Francisco de Assis do Piauí terminou com uma mesma característica física: ficar muito suado. Além do forte calor que fazia no entorno, não havia ventilação na igreja.

A iluminação, de três lâmpadas e o som (via pequena caixa acústica), foi garantida por um pequeno gerador, que funcionava a gasolina. O aparelho só comportava três litros de combustível, o que garantiria, no máximo, três horas de funcionamento do som e da iluminação.

Membros da Associação de Moradores de Abelha Branca tinham comunicado ao Ministério das Minas e Energia que a reportagem viria ao lugar contar as histórias de falta de energia elétrica. Horas depois receberam contatos, de Brasília, pedindo esses dados.

Parece que o milagre da energia começa a ser concretizado. Mais um para ser colocado na conta de São José e de Deus. Mas, por enquanto, muitos preferem acreditar em outro santo católico: Tomé, o homem do ver para crer.

 

Fonte: O Olho
Por Orlando Berti.

* Orlando Berti é jornalista. Atualmente é professor, pesquisador e extensionista do curso de Comunicação Social – Jornalismo – da UESPI – Universidade Estadual do Piauí (campus de Teresina). É mestre e doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (com doutorado-sanduíche na Universidad de Málaga – Espanha). Faz Pós-doutorado em Comunicação, Região e Cidadania na Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente desenvolve pesquisa de etnografia das redações, tentando entender o jornalismo piauiense na prática e os fenômenos sociais contemporâneos. É vice-presidente da Rede Brasileira de Mídia Cidadã.

Notícias relacionadas

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Se você está de acordo, continue navegando, aqui você está seguro, mas você pode optar por sair, se desejar. Aceitar Leia mais